domingo, 23 de janeiro de 2011

POR OCASIÃO DA EXPOSIÇÃO EM 3 DE FEVEREIRO NA GALERIA DA PAULA CABRAL

A globalização trouxe outros mundos ao mundo, desde sempre. Aumentando-o, gizando-o em novas direcções, abrindo novos planos, também e sobretudo imaginários, que antes lá não havia. E de cada vez a seu modo assim se fez e faz e tornará a fazer até que o tempo coincida absolutamente com o espaço.
Agora, que a globalização já não se faz com naus nem caravelas, mas com computadores e bolsas on-line capazes de alimentar a cobiça (madre-eterna) daqueles mais ansiosos do vão poder do mundo, e com as notícias em directo da TV, a outra peregrinação global, a do espírito, essa faz-se também ela de outro modo: onde antes, meio milênio atrás, o Fernão Mendes Pinto de gloriosa memória elocubrava as aventuras de uma descoberta maravilhada desse cruzamento incerto entre mito e história, hoje outros entendem, desentendem, sobre-entendem, numa epifania breve, as janelas que se abrem de repente sobre os planos mais incertos e caóticos do tempo, e o desdobram, mostrando-o em outras dobras, em outras convulsões, em outras configurações.
Assim João de Azevedo.
Longamente hipotecado a uma paixão aventureira que o levou aos trópicos, de Moçambique ao Niger e a Timor passando por tantos outros lugares, João trouxe, porque levava para tanto a intuição, notícia de outros mundos haver, para além da racionalidade estreita deste nosso em perpétuas crises, outros lugares onde o trágico coabita com o vulgar e o ordinário, paredes meias com o sonho, fazendo e desfazendo entre este e a chamada realidade. Uma realidade menos óbvia do que a nossa, já se vê. Onde os animais ainda e sempre falam.
E se nessas aventuras chegou a colaborar de perto, apaixonadamente, com o renascimento de nações, ou captar o essencial desse registo gráfico, quase diagramático, de uma visão outra do mundo, que depois igualmente sabe traduzir em longas e sábias conversas noite fora, em que descreve os mitos como se os houvera assistido desde o seu nascimento, é nos seus quadro de longa e paciente factura que mais os elabora, re-elabora, tornando-os pouco a pouco seus e nossos, através do seu sábio e sempre inocente olhar.
Já se vê que o crocodilo é um poderoso símbolo erótico. E que, como a todo símbolo, o melhor é não o afectar a uma única coisa, já que de muitas fala, e ao mesmo tempo. E já se vê que ele caminha veloz nestas pinturas, onde também a cor transporta a alegria das descobertas mais vastas do espaço e do tempo. Mas, humaníssimo, e não só por ser portador desses impulsos vitais, também ele o temível crocodilo é retrato e auto-retrato, mágico instrumento de uma soberana re-interpretação do mundo, deste e do outro, mensageiro subtil que se desloca entre os dois.
Os crocodilos de João de Azevedo, as suas ninfas, as suas cores quase puras, são outros tantos sinais cantantes de haver sempre mais mundos e contadores de histórias desses mundos, hoje como antes, há muito tempo atrás na peregrinação do outro. Porque perpétuo é o homem no seu sonho como na sua imperfeição.
São artes destas que tornam o mundo maior. E que no-lo trazem, paradoxalmente, até junto à porta.
Obrigado João.

Bernardo Pinto de Almeida
Janeiro 2011

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